No final de agosto, Mark Zuckerberg anunciou que o Facebook começará a cobrar pelo acesso a notícias via rede. O sistema funcionará em um esquema parecido com o de grandes portais, chamado paywall: quando o usuário atingir o máximo de notícias lidas, ele precisará pagar para ter mais acesso.
Apesar dos brasileiros não precisarem se preocupar com isso agora – o sistema deve ser implementado primeiro em países da Europa e nos EUA, muitas dúvidas surgem com este anúncio.
De acordo com o CEO, o sistema é uma parceria com os principais portais de notícia e publicadores europeus e norte-americanos, mas vai se estender para os demais países. Por ora, ainda não se sabe como os portais brasileiros irão fazer parte do paywall e como isso vai influenciar o consumo de notícias dos brasileiros via redes sociais.
De acordo com uma pesquisa do Instituto Reuters de Estudos sobre Jornalismo, realizada em 2016, 72% dos entrevistados brasileiros afirmaram que usam as redes sociais como fontes de notícias. Só perdemos pra Grécia (74%) e pra Turquia (73%).
De fato, esses números absolutos não revelam a qualidade das informações consumidas, ou seja, quais são as fontes que estão provendo notícias para os usuários da rede. O paywall é mais um passo do Facebook na tentativa de valorizar a produção jornalística “confiável” e, para isso, a rede irá reverter as receitas de acesso para os portais cadastrados no sistema. “Como cada vez mais as pessoas leem notícias em locais como o Facebook, nós temos a responsabilidade de criar uma comunidade melhor informada”, escreveu o CEO.
Para Zuckerberg, isso não é possível sem o jornalismo. Ao final de sua publicação, ele ressalta:
“dar voz às pessoas não é suficiente sem ter organizações dedicadas a descobrir novas informações e analisá-las”, e complementa: “queremos garantir que mais repórteres e publicadores em todo o lugar possam continuar fazendo o seu trabalho”.
Bem, só o início dessa afirmação acima já renderia um artigo (e vou até me preparar para escrevê-lo), mas é bem interessante perceber a tentativa da maior rede social do mundo em garantir que a indústria jornalística sobreviva aos atuais modelos de produção e disseminação de conteúdo (que empoderam os usuários e as organizações, criando canais de comunicação diretos entre eles).
Já escrevi sobre o Facebook Journalism Project, no início deste ano, quando a rede implementou alguns recursos para identificação de notícias falsas e também começou a disponibilizar o Instant Articles, plataforma de publicação da empresa criada em parceria com sites e jornais (Washington Post, Fox News, El País e Hindustan Times são alguns deles).
Fontes de notícias em destaque
Falando de Instant Articles, o Facebook implementou uma atualização na plataforma para, segundo eles, ajudar mais pessoas a reconhecerem as fontes das notícias lidas na rede. Funciona assim: quando o usuário pesquisar por um artigo ou ver um que esteja em alta, poderá ver a logomarca do publicador em evidência ao lado.
Ainda não temos dados de como essas ações do programa de apoio ao jornalismo do Facebook estão mudando a forma como as pessoas consomem notícias e, principalmente, como isso vai ajudar a indústria jornalística, seja o veículo de qual porte for. Mas é muito interessante acompanhar essa movimentação e perceber que há um reconhecimento do Facebook de que o jornalismo ainda pode ser o caminho mais confiável para selecionar quais informações devem ser consumidas neste cenário de caos informacional.
A movimentação da rede neste sentido pode redimensionar a importância do jornalismo nos dias atuais. Pode, inclusive, definir daqui pra frente quais fontes de notícias terão credibilidade frente aos seus usuários. Afinal, não vamos subestimar o poder do Facebook em promover mercados, principalmente no Brasil, onde temos mais de 100 milhões de pessoas na rede.
Para as organizações públicas e privadas, o programa do Facebook pode ser positivo. Ao criar meios para legitimar o papel da imprensa na produção e divulgação de informações confiáveis, a rede fortalece o mercado, que pode ser melhor explorado pelas organizações para legitimar suas ações perante seus públicos.
Aos veículos, resta o desafio de entender como utilizar os recursos do programa do Facebook para integrar essa frente jornalística que hoje discute novas soluções para distribuir conteúdo, engajar e construir audiências para suas reportagens.
Kadydja Albuquerque é especialista em Gestão da Comunicação nas Organizações e sócia do Conversa Coletivo de Comunicação Criativa.