Quando eu apresentei meu TCC de graduação em 2002, sobre jornalismo online, um dos professores da banca mandou essa: “bem interessante o seu trabalho, mas não acredito que essa história de jornalismo online vá vingar”. Perdi meio ponto pela convicção dele em relação ao futuro dos jornais.
Sem mágoas, caro professor, mas o senhor estava errado.
É fato que, em 2002, o Brasil ainda patinava no modelo de jornalismo na Internet. Vivíamos ainda uma fase de transição do impresso para o online, pra não dizer de “transposição” das notícias do primeiro para o segundo.
Hoje, 15 anos depois, temos um mercado maduro e que, segundo estudos e pesquisas de audiência, tem crescido no número de leitores. Vejamos: de acordo com o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), que há décadas certifica a tiragem impressa e a circulação digital dos jornais brasileiros, de 2014 para 2015, a média das assinaturas digitais cresceu 27%, enquanto a média de circulação paga dos jornais impressos caiu 13%.
Em setembro de 2016, as assinaturas digitais de 33 jornais com edições online monitoradas pelo IVC chegaram a mais de 818 mil, um número 20% maior do que a média de 2015. No mesmo período, a circulação impressa caiu quase 20%, chegando a cerca de 2,6 milhões de exemplares vendidos no Brasil.
O crescimento do número de assinaturas digitais significa que mais pessoas estão pagando para ler notícias? De acordo com especialistas, sim. Em agosto de 2016, a Folha de S. Paulo anunciou que a sua circulação digital ultrapassou a impressa. Em setembro de 2016, o jornal vendeu 164 mil edições digitais e 151 mil impressas. O Globo também está bem próximo dessa transição: com 150 mil de circulação digital e 163 mil impressa, de acordo com o IVC.
Números costumam comprovar teorias, mas é preciso observar mais a fundo o porquê desse fenômeno de crescimento das assinaturas digitais nos últimos cinco anos.
Muro de pagamento
Um dos impulsionadores disso é o “paywall” adotado pelos jornais brasileiros a partir de 2012, tendo a Folha como pioneira. “Paywall” pode ser traduzido como “muro de pagamento”, e consiste em um sistema de assinatura usado por jornais e outros veículos de comunicação digitais que permite ao internauta o acesso a conteúdos restritos. No Brasil, a maioria dos jornais adota um modelo flexível de “paywall”, ou seja, o leitor pode acessar um pequeno número de notícias de forma gratuita antes de ser estimulado a assinar a edição digital do veículo. Este modelo foi inicialmente utilizado pelo New York Times, em contraponto ao “hard wall” – quando o leitor só consegue acessar o conteúdo do veículo se for assinante.
Versões digitais seguem linha editorial própria
Outro importante fator para o aumento do número de assinaturas digitais é a produção de conteúdos exclusivos para as versões digitais dos jornais, que está ligado ao modelo de “paywall”. Antes, muitos veículos guardavam suas matérias principais para a versão impressa. Com a oferta de assinatura digital, passaram a produzir conteúdos mais elaborados para os portais a fim de atrair os leitores. Além de reportagens focadas no ambiente online, os veículos investem em design responsivo para os sites e em outros recursos como o Instant Articles do Facebook, para oferecer uma melhor experiência de acesso aos usuários.
Crescimento da leitura de notícias em ambientes online
De acordo com a pesquisa Mobile Consumer Survey 2017, da Deloitte, o celular segue como o dispositivo eletrônico com maior penetração entre os brasileiros – 87% possuem smartphone. Dados da Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, realizada pelo Governo Federal, aponta que a internet é o segundo meio preferido dos brasileiros para ler notícias, atrás apenas da TV.
Diante deste cenário de um Brasil conectado, os veículos oferecem planos de assinatura digital que se adequem ao hábito dos seus leitores de consumir informação via celular, tablet ou computador, e permite que eles acessem tanto as notícias exclusivas para os portais quanto a versão impressa em leitor digital.
Mas, isso quer dizer então que os veículos não estão em crise?
Não, apesar de hoje termos a maior audiência da história. O aumento do número de assinaturas digitais não significa que a receita aumentou. Há uma tendência global de queda de investimento em publicidade, seja no impresso ou no digital. O aumento das assinaturas digitais não compensa as perdas do setor com os anúncios das edições impressas e o faturamento com a publicidade digital continua baixo. Isso porque o anunciante pode optar por comprar espaço no Google ou em mídias sociais e atingir o mesmo público por um preço mais baixo.
Outro fator é que, como os brasileiros estão lendo mais notícias pela internet, a circulação impressa cai. E a assinatura, assim como a publicidade, na versão impressa tendem a dar mais lucro que no digital. Além disso, quando cai a circulação impressa, o custo de produção de cada jornal aumenta, diminuindo a margem de lucro em cada exemplar.
Ainda vale veicular minha empresa no impresso?
Sim, mas menos do que antes. É comum assessores relatarem que seus clientes ainda valorizam mais uma inserção em mídia impressa do que na versão digital do mesmo veículo. No entanto, é importante entender que, quando temos queda na circulação impressa dos jornais, isso significa menor audiência. Então, se a estratégia de uma empresa é atingir um público heterogêneo, talvez seja melhor investir em ações de assessoria de imprensa digital – não vamos esquecer que links são compartilháveis em diversos canais, o que amplia o número de leitores.
Ainda assim, os jornais impressos (principalmente os da grande imprensa, que nós contamos nos dedos) são veículos de legitimidade política e com audiência qualificada. Se a estratégia é ganhar credibilidade com um público formador de opinião (o que quer que isso queira dizer hoje em dia), o impresso é um caminho interessante.
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Kadydja Albuquerque é especialista em Gestão da Comunicação nas Organizações e sócia do Conversa Coletivo de Comunicação Criativa.