Um dos nomes mais comentados no mundo da música, atualmente, sem sombra de dúvidas, é o do rapper Lil Nas X. No dia 17 de setembro de 2021, lançou o seu álbum MONTERO e transformou o lançamento em uma série de estratégias em prol do movimento negro e da causa LGBTQIA+, duas pautas que ainda são fortemente discutidas nos Estados Unidos e no mundo.
Vamos lá?
Lançamento de tênis sem autorização
Aproveitando o hype do seu videoclipe MONTERO, o cantor, em parceria com o coletivo de arte MSCHF, lançou 666 pares do Satan Shoes, uma versão do tênis Nike Air Max 97, repleto de referências satânicas e uma injeção de sangue na bolha de ar do solado.
O problema nisso? O rapper e a empresa responsável não tinham a autorização da marca para o lançamento, o que resultou em um processo contra o coletivo.
O julgamento a seu favor
Com toda essa repercussão, o cantor resolveu utilizar essa história como algo positivo para as causas que ele acredita. Para o lançamento do seu single Industry Baby, cujo clipe se passa todo dentro de uma cadeia intitulada MONTERO (nome do single anterior), Lil Nas X começou a utilizar as suas redes sociais para anunciar que iria ao tribunal para o processo que a Nike estava promovendo contra ele.
No TikTok, o cantor postou um vídeo em que brinca: “Quando você tem julgamento na segunda-feira e pode ir para a cadeia, mas sua gravadora diz para você continuar fazendo TikToks”.
No Twitter, outra rede utilizada constantemente por Lil Nas X, ele também brincou: “piadas à parte, não acredito que vou para a cadeia. quem vai fazer tweets meio engraçados sobre ser gay enquanto eu estiver fora”
Com o julgamento repercutindo bastante e os fãs apreensivos se o cantor seria ou não preso, a tag #FreeLilNasX logo chegou aos assuntos mais comentados nas redes sociais. Com receio da história ir longe demais, o rapper postou em seu canal no YouTube um prelúdio que, de fato, representa um julgamento movido pela Nike.
O prelúdio começa com o juiz falando que está entediado, pois iria fazer o julgamento entre a Nike e um “gayzinho”. O suposto advogado da gigante esportiva segura o tênis nas mãos, passando-o pelas mãos de todo o júri, que faz diversas expressões de nojo, já que se trata de um tênis com referências satânicas. O advogado da marca, no entanto, fala que o julgamento é sobre muito mais do que um tênis, e pergunta ao cantor se ele é gay. O cantor mostra indignação do porque aquilo teria alguma relevância no julgamento, visto que trata da sua orientação sexual. O advogado então reformula a pergunta e o questiona se a mãe dele sabe que ele é gay. Ao responder que sim, uma das pessoas do júri fala “tomara que o prendam e joguem fora a chave”. Logo, o juiz dá a sentença de que o cantor irá cumprir sentença de 5 anos na prisão.
Aqui, podemos notar que o cantor faz uma crítica ao fato da orientação sexual ser algo que influencia na opinião de outras pessoas sobre quem você é enquanto indivíduo. A pergunta do advogado sobre a mãe dele saber ou não se ele é gay retrata o fato de pessoas LGBTs esconderem isso de suas famílias por ser considerado algo errado, que os pais não apoiam. Se estes não dão apoio, imagina a sociedade?
Uma das declarações do cantor sobre a música é, justamente, ressaltar para as pessoas que ele é gay. Inclusive, em um dos trechos ele canta: I don’t fuck bitches, I’m queer”. Numa tradulção livre: “Eu não faço sexo com vadias, eu sou queer”.
O cantor ainda declarou: “Eu sinto que isso foi importante, porque eu já sabia que essa música seria muito mais uma música de rap pesado. E eu sabia o tipo de público que iria escutar. Então eu quis dar certeza de quem se tratava, porque muitas pessoas têm dito, ‘Oh, bem, eu gosto da música dele, mas ele é suspeito’. Foi tipo, eu queria dar a certeza para eles que eu sou gay. Este sou eu avançando. Não foi um momento, sabe? Na verdade, não estou tentando garantir que o público que está ouvindo minha música se sinta confortável. Eu vou fazer para mim e não espero que ninguém ame”.
Lançamento do single Industry Baby
O clipe acontece na prisão, pois o cantor aproveitou a oportunidade para falar de algo bastante problemático: o sistema carcerário nos Estados Unidos. Para usar a sua voz e lutar contra algo em que acredita, a estratégia do lançamento do single foi toda voltada para arrecadar fundos para ajudar a pagar fianças de negros que tiveram seus direitos de liberdade cerceados nos Estados Unidos devido a infrações leves e que não têm condições financeiras.
Para isso, o rapper lançou o projeto Bail X Fund, em parceria com a instituição The Bail Project, que já ajudou mais de 17 mil pessoas com assistência financeira para pagamento de fianças. O projeto também ajudará em um dos maiores objetivos do The Bail que é acabar com o sistema de fiança em dinheiro no sistema judicial estadunidense.
“Liberdade de verdade requer uma mudança real em como o sistema judicial criminal funciona. Começando com o pagamento de fiança. Isso não é apenas uma teoria para mim. É pessoal. Eu conheço a dor que o encarceramento traz a uma família. E eu conheço o impacto desproporcional que a fiança em dinheiro tem em americanos pretos”, afirmou Lil Nas X, em carta divulgada à imprensa.
“Acabar com o pagamento de fiança é um dos mais importantes problemas de direitos civis do nosso tempo. Doe o que você puder para o Bail X Fund. Vamos levar as pessoas de volta pra casa e vamos lutar por liberdade e igualdade”, concluiu o rapper.
Vídeo sem censura
Uma das cenas do clipe oficial de Industry Baby, é Lil Nas X em um chuveiro coletivo dentro de um vestiário, onde aparece dançando, aparentemente nu, junto com outros dançarinos. As partes íntimas estão borradas. Para alavancar ainda mais arrecadações, o rapper foi certeiro em fazer uma promessa de um dos conteúdos que as pessoas mais gostam de consumir na internet: a nudez. Em seu twitter, o cantor publicou: “o vídeo sem censura de Industry Baby irá para o ponrhub se este tweet chegar a 200 mil curtidas” e anexado à publicação, incluiu o link do vídeo oficial no YouTube.
Em menos de duas horas a publicação já havia alcançado mais de 60 mil curtidas. Uma estratégia inteligente, visto que, ao curtir uma publicação no twitter, o conteúdo aparece para as pessoas que seguem o seu perfil. Óbvio que o cantor conseguiu o feito e publicou em suas redes o link do vídeo sem censura, no entanto, ao chegar na parte da nudez, aparece uma tela simulando falha no carregamento, o que a essa altura já havia tido tempo o suficiente para contar como uma nova visualização.
Outdoors espalhados
As mídias offline também estão sendo essenciais para a divulgação do novo álbum. Foram espalhados quatro outdoors com mensagens diferentes pelos países. São elas: “Você é solteiro, sozinho e miserável?”, “Você sente falta da América real? Visite welcometomontero.com/babyregistry/ para saber como nós podemos ter o nosso país de volta”, “Você Odeia Lil Nas X?”, “Gay?”, e em todos os outdoors acompanha a frase “você pode ter direito a compensação financeira” e o site “https://www.welcometomontero.com/babyregistry/”.
Dois outdoors são direcionados para pessoas tradicionais, que não gostam de ver movimentos LGBTQIA+ e negro ganhando força e estando em pauta e, dois outros outdoors são direcionados para pessoas LGBTQIA+, um deles, inclusive da forma que a sociedade enxerga essa comunidade, como pessoas solteiras, sozinhas e miseráveis.
Ao acessar o site, todas as músicas do álbum são listadas e, em cada uma delas há uma uma organização associada. As instituições sem fins lucrativos fazem parte da Gilead COMPASS Initiative®, que trabalha para lidar com a epidemia de HIV / AIDS no sul dos Estados Unidos. Em cada organização, acompanha um texto contando um pouco sobre o trabalho desenvolvido e um link que possibilita que as pessoas façam doações para essas instituições.
No twitter, o cantor pediu para que quem visse os outdoors em suas cidades, que publicasse em suas redes e o marcasse, aumentando ainda mais a visibilidade do projeto. Ainda tenho dúvidas se os outdoor realmente foram produzidos, mas gerou burburinho na internet de que a estratégia foi incrível.
Todas as estratégias do cantor só reforçam o quanto é importante que artistas façam de seus trabalhos um ato político e usem as suas vozes para mudar os cenários de preconceito ainda tão presentes na sociedade.
Leia também: A narrativa por trás da cantora Juliette
José Henrique é Coordenador de Comunicação e Eventos do Conversa Estratégias de Comunicação Integrada