O futuro se faz no presente. Mas, apesar de todos os avanços que nós, mulheres, conquistamos ao longo de séculos, o mundo corporativo ainda é estruturado sob a ótica masculina. Escrevi este artigo para homens e mulheres. Quero falar com homens que têm o poder de decisão nas empresas e quero falar com todas as mulheres que estão trabalhando ou tentando entrar no mercado de trabalho.
O progresso vem acontecendo, mas ainda é lento. Talvez se começarmos a falar em “dinheiro”, ele possa ser acelerado. O estudo Women in Work Index 2020, da PWC, mostra que melhorar a participação feminina no trabalho em todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) poderia aumentar o PIB do grupo em US$ 6 trilhões. Diminuir a disparidade salarial entre os sexos aumentaria os ganhos femininos na OCDE em US$ 2 trilhões. Parece um caminho sensato, não?
Estamos entrando 2021 e as mulheres ainda ganham menos
A desigualdade de gênero no trabalho passa por diversos fatores que levam à desigualdade salarial. Uma pesquisa publicada pelo IBGE indica que as profissionais brasileiras recebem, em média, 20,5% menos que os homens. Essa desigualdade não poupa os cargos maiores, ainda que existam variações com maior ou menor intensidade, de acordo com as ocupações.
Segundo a pesquisa Profissionais, da Catho 2019, mesmo as mulheres com grau maior de escolaridade ainda ganham menos que os homens. E o mais curioso (para não dizer absurdo) é que elas saem na frente quando há o recorte de nível superior e pós-graduação completos. Ou seja, somos mais escolarizadas e, ainda assim, ganhamos menos.
A pesquisa aponta que 30% das mulheres têm nível superior e pós-graduação, enquanto os homens são 24%. “Mesmo assim, eles podem chegar a ganhar até 52% a mais que elas exercendo uma mesma função. Fatores relevantes como formação, qualificação e experiência profissional não bastam para igualar a balança”, aponta o estudo.
Até em posições que costumam ter mais participação de mulheres, a desigualdade, ainda que menor, existe. As mulheres ocupam 66% dos cargos de assistente e/ou auxiliar e a diferença salarial é de 8%. Já em relação aos cargos de analista, 53% são ocupados por mulheres e a diferença salarial é de 14%.
A maternidade como justificativa para desigualdade
Certa vez, um cliente de uma agência na qual eu era analista pediu que divulgássemos um anúncio de emprego para vaga de secretária. Até aí, tudo bem. No entanto, a minha surpresa foi a orientação para os pré-requisitos do cargo: era preciso ser mais velha (acima dos 40 anos) e sem filhos. Perguntei o porquê e a resposta me deixou incrédula: mulheres nessa idade já não têm tanta chance de engravidar.
Não tenho filhos, mas defenderei sempre o direito das mulheres poderem conciliar a maternidade com a carreira profissional.
A maternidade está totalmente relacionada à desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Ser (ou poder ser) mãe ainda é visto pelos empregadores (não é à toa que a maioria seja de homens) como um custo a mais pela licença-maternidade ou pela compreensão errada de que a mulher vai se dedicar menos quando se tornar mãe.
Na pesquisa da Catho, em 2018, foi sinalizado que “dentre os principais conflitos enfrentados pelas mães e empresas/gestores, o principal receio é delas terem que faltar ao trabalho caso os filhos adoeçam (48%). Além disso, outras preocupações, como ter que pedir para chegar mais tarde no trabalho para ir a uma reunião escolar (24%) e se atrasar devido à exaustão da rotina (10%)”.
O novo normal ainda é desigual e as mãe sentem mais na pele
Estamos vivenciando novas formas de trabalho. O home office talvez tenha chegado para ficar, mas uma questão ronda minha cabeça. Ele só seria uma alternativa justa para uma mãe que trabalha se ela dividisse as responsabilidades pela criação do filho com o pai. E sabemos que, culturalmente, isso não acontece.
Segundo essa mesma pesquisa da Catho, “com mais de 2,3 mil respondentes, 30% das mulheres disseram que já deixaram o mercado de trabalho para cuidar dos filhos. Entre os homens esse número é quatro vezes menor, atingindo 7%”.
“O sentimento de angústia é constante. Dentre os pontos mais preocupantes estão: ‘onde meu filho irá ficar onde eu trabalho?’, ‘vou perder o vínculo com meu bebê depois que retornar ao trabalho?’, ‘vou ter tempo para mim?’, ‘meu chefe vai achar ruim se eu precisar me ausentar por causa do meu filho?’. Somada a todas essas questões, fazer pedidos ao chefe relacionados aos filhos é o receio de 50% dos entrevistados da pesquisa”, diz o relatório.
O desenvolvimento da carreira das mulheres é diretamente impactado após a maternidade. A pesquisa mostra ainda que 47% das mães já abriram mão de algumas oportunidades de empregos melhores e de promoções porque sabiam que teriam dificuldade em conciliar filhos e vida profissional.
Quantas pessoas vão ler os dados acima e achar que isso é “natural”? A maioria, porque assim está construída nossa sociedade. É preciso quebrar esse entendimento de que é a mãe quem cria e, portanto, é ela, e apenas ela, que precisa sacrificar sua carreira profissional.
Sabemos que isso não vai mudar do dia para a noite. Mas empresas que ainda precisam ou exijam a presença física de mulheres mães podem promover melhorias em seu ambiente de trabalho, como a construção de creches para que o fardo seja menor – até que ele um dia seja dividido igualmente com a figura paterna.
O desemprego atinge mais as mulheres, para variar
Não seria diferente entre as mulheres desempregadas. De acordo com o Pnad Contínua e o IBGE, elas correspondem à maior parte da população fora da força de trabalho, entre trabalhos formais e informais, em todas as regiões do país, o equivalente a 64,7% dos inativos na média nacional. Entre a população desempregada, elas também são maioria: 53,8%.
Será que o desemprego está relacionado a todos os outros fatores acima? Vou me arriscar a dizer que sim!
Como CEO da minha empresa, eu sempre me lembro do quanto foi mais difícil chegar onde cheguei do que para meus sócios homens. E, constantemente, me pergunto se as oportunidades que oferecemos para as mulheres da nossa equipe são as mesmas que as dos homens. Temos cuidado em promover a igualdade social e entender que, para igualar oportunidades, é preciso respeitar as diferenças.
Recupero aqui a pergunta do título: o futuro é feminino também no mercado de trabalho? A resposta (e a saída) está em cada gestor ter a consciência dessa desigualdade e tentar reparar a dívida histórica que nos marginalizou durante séculos.
Campanha: Dia da Mulher: #OChocolateQueQueremos
Campanha Catho: Dia da Chefe – Um peso, duas medidas
Kadydja Albuquerque é jornalista e sócia do Conversa Estratégias de Comunicação Integrada