Britney Spears foi uma das celebridades mais perseguidas do mundo. Imagine sair para comprar um simples café no Starbucks e terminar cercada por centenas de paparazzis querendo registrar cada passo, cada gesto e cada fala seus, a fim de vender para os tabloides em troca de muito, muito dinheiro: cada foto poderia valer até mais de US$ 1 milhão.
Imagine ter cada uma dessas imagens contextualizada de forma a te ridicularizar, estar cercada de pessoas em que você não confia (inclusive parentes próximos) e ser alvo de piadas de programas de televisão que satirizam a sua vida. O que você faria?
O ano era 2007, quase uma década após o estouro mundial de Britney Spears, hoje uma das maiores referências do pop. Com apenas 26 anos, ela já havia conquistado 4 discos em #1 na Billboard, mais de 100 milhões de discos vendidos, já havia se casado, separado, tido dois filhos e a vida invadida como quase ninguém no planeta: colocaria nessa lista Michael Jackson e a princesa Diana para efeito de comparação.
O programa The American Bible Challenge, por exemplo, fez o quiz “Diga o que Britney perdeu no ano passado”, em que as respostas eram “o marido”, “o cabelo” e “a noção”. Os paparazzi, quando questionados porque não ajudavam a cantora, chegaram a declarar: “Por que não vamos ajudá-la? Não queremos interferir nos planos de Deus. Uma foto do cadáver dela pagaria a universidade de oito filhos meus”.
Agora imagine que tudo isso aconteceu num período em que ainda não existiam Twitter e Instagram (apenas o Facebook) e a vida nas redes sociais que a gente leva hoje, e “A” fonte de informação eram os veículos tradicionais, os tabloides e as revistas de fofoca.
Ansiedade? Transtorno bipolar? Depressão? Uso de drogas? Excesso de álcool? Assim como seu estrondoso sucesso, a derrocada de Britney Spears dava muito dinheiro. Hoje, eu convido você a uma reflexão sobre a influência da mídia – inclusive a partir das transformações que ela viveu ao longo dos últimos 15 anos – na destruição e na retomada da carreira de Britney.
Vamos juntos?
#FREEBRITNEY
Em primeiro lugar, você precisa saber que aquele episódio em que a Britney estava careca e “atacou” o carro de um paparazzi com um guarda-chuvas foi um dos vários acontecimentos para que seu pai, James Spears, pleiteasse e conquistasse a tutela dos seus bens na justiça.
Ela até aceitava uma tutela, mas por causa de conflitos familiares, pediu para que o pai não fosse o responsável e solicitou que uma empresa do segmento tomasse a frente de suas decisões. Entretanto, por ser considerada incapaz, a justiça negou o pedido. De lá para cá, muita coisa aconteceu e eu vou detalhar mais adiante.
Antes, porém, deixarei marcado aqui que o movimento #FreeBritney surgiu para ajudar a acabar com essa tutela sobre a vida pessoal e profissional de Britney, vigente desde 2008, que tornou o pai o responsável por todos os gastos, finanças e trabalhos da cantora.
Mas como o movimento ganhou força por causa das mídias e como a imprensa foi responsável por fazer com que Britney chegasse ao colapso da sua carreira na época?
Para entender melhor, vamos fazer um resumo bem rápido da carreira de Britney Spears:
- Iniciou aos 16 anos, em 1998, com o single Baby One More Time.
- Vendeu mais de 100 milhões de discos em todo o mundo.
- bateu o recorde de álbum mais vendido, com 1,3 milhão de cópias na primeira semana.
- Quebrou o joelho e precisou interromper a turnê The Onyx Hotel.
- Se casou com Kevin Federline, com quem teve dois filhos.
- Perdeu a custódia dos filhos após ser considerada incapaz de cuidar deles.
- Foi internada em clínicas psiquiátricas por diversas vezes.
- A performance no VMA 2007 foi considerada a pior de sua carreira.
- Cantora mais pesquisada do mundo entre 2007 e 2009, segundo o Livro dos Recordes
- Após tutela, a cantora lançou 4 álbuns e realizou 3 turnês.
- Britney repaginou as residências em Las Vegas com a Piece of Me Tour.
NOSSA, MAS O QUE ROLOU?
O que a mídia noticiava não era o que realmente estava acontecendo. A falta de informação e verdade do que rolava nos bastidores, fizeram a mídia ficar em cima da cantora como abutres, apenas esperando o fim da sua carreira e colaborando para que tudo piorasse ainda mais.
Para termos uma ideia, seu ex-empresário, Sam Lufti, escondia o celular da cantora para que ela não tivesse contato com ninguém da família, além de colocar remédios na sua comida e vitaminas. Escondia, também, os cachorros de Britney para deixar a cantora desesperada procurando por eles e depois soltá-los para ganhar sua confiança. Mas a mídia reportava apenas que Britney era descontrolada, não tinha noção dos seus atos e era incapaz de tomar suas próprias decisões.
Um momento interessante foi quando a cantora dirigiu com o filho no colo e a foto repercutiu em todo o mundo. Após anos, Britney concedeu entrevistas dizendo que, no momento, estava desesperada com a quantidade de fotógrafos que cercavam ela e o filho e a única coisa que queria era protegê-lo e sair dali.
Com tanta coisa acontecendo, revistas e portais de música começaram a decretar a ruína da carreira de Britney. Em 2008, a Rolling Stones, uma das publicações mais renomadas sobre música no mundo, colocou a foto da cantora na capa dizendo que Britney era “uma tragédia americana”. Alguns sites começaram a apostar na morte da cantora e celebridades, como Courtney Love, já declararam que ela teria o mesmo fim de Marilyn Monroe.
A REVIRAVOLTA, AGORA COM REDES SOCIAIS
Quando os paparazzi começaram a perceber as más intenções de Sam Lufti e a própria culpa no terror que virou a vida da popstar, alguns deles começaram a oferecer ajuda à cantora e a avisar seus pais sobre os seus movimentos.
Quando o #FreeBritney surgiu, a princesa do pop havia retomado sua carreira e o movimento não teve tanta repercussão. A mídia começou a noticiar todos os seus esforços, os programas de televisão voltaram a convidá-la para entrevistas, séries como How I Met Your Mother tiveram a sua participação, quebrando recorde de audiência, e Britney conseguiu negociar a guarda dos seus filhos com o ex-marido, Kevin Federline. A revista Rolling Stones lançou uma edição em que afirmava “SIM! ELA PODE!”. O The Guardian declarou o comeback da cantora como o maior de todos os tempos.
Poderíamos considerar que tudo estava perfeito. Turnês lucrativas, discos em #1 nos charts, vida profissional e pessoal voltando ao eixo. Mas em 2008, o documentário For The Record mostrou a cantora se declarando infeliz por ter sua vida sob controle constante. A tutela a sufocava.
Dez anos se passaram e, em outubro de 2018, Britney anunciou a segunda residência em Las Vegas: a Domination Tour. No entanto, três meses após o anúncio, em janeiro de 2019, a turnê foi cancelada (eu já tinha comprado ingressos e passagens! ?) e a alegação nas redes sociais da cantora era a de que ela havia decidido pausar a carreira para cuidar da saúde do pai. Após esta publicação, a cantora sumiu por mais de dois meses das redes sociais e os fãs começaram a subir a hashtag #WhereIsBritney.
Aqui, o contexto era outro: a mídia tradicional já não impactava como antes e era questionada por pessoas comuns, como eu e você, que tínhamos razão de sobra para duvidar da explicação dada. A consciência coletiva sobre o tratamento abusivo que ela recebia aumentava enquanto as pessoas se organizavam, via redes sociais, para questionar o que estava acontecendo.
MAIS SOBRE A IMPORTÂNCIA DAS REDES
Volto um pouco no tempo para contar algo que será importante: em 2017, duas fãs de Britney lançaram o Britney’s Gram, um podcast que analisava todas as publicações da cantora. Elas acreditavam que, tanto nos vídeos quanto nas legendas, havia mensagens subliminares sobre o que Britney estaria sentindo no momento, principalmente em relação à tutela e ao fato de não ser livre para tomar as suas próprias decisões.
Dentre as publicações analisadas, podemos destacar a que Britney diz gostar do filme Frozen, pois a personagem Elsa vai viver só em um castelo pois não consegue mais lidar com o fato de não poder ser quem ela é. Outra publicação é a imagem de um rochedo com uma abertura no meio, publicada pela cantora dizendo que “sempre há uma saída”.
Foi quando, após a hashtag #WhereIsBritney se tornar um dos assuntos mais comentados, Britney fez uma publicação dizendo “todos precisam de um tempo para si”. Em seguida, o TMZ, portal de notícias dos Estados Unidos, noticiou que ela estava internada em uma clínica de saúde mental e, devido ao histórico em 2007, não se sabia se voluntariamente ou à força.
Após estes acontecimentos, as criadoras do podcast receberam um áudio anônimo contando que a cantora estava desde janeiro internada contra a sua vontade e que a tutela do pai ia muito além do que as pessoas imaginavam.
Uma informação assim não pode ficar guardada, certo? O Britney’s Gram publicou em seu perfil do Instagram o que estava acontecendo e, no dia seguinte, todos os jornais e portais de notícias repercutiram o assunto. Além disso, os fãs nas redes sociais causaram um alvoroço com hashtags e comentários sobre o assunto, em que classificam o áudio como “perturbadora”.
MAIS REDES E O DOCUMENTÁRIO DO NY TIMES
Desde então, os fãs se juntaram e começaram a ir para as ruas protestar e dar maior notoriedade para o movimento. Diversos canais de notícias, como ABC, ET e GMA, começaram a dar visibilidade ao #FreeBritney e a mostrar como funcionava a tutela. Fãs começaram a gravar vídeos no TikTok, Twitter e Instagram para explicar e alertar sobre a situação e celebridades como Kacey Musgraves, Bette Midler, Miley Cyrus, Sarah Jessica Parker e Mara Wilson declararam apoio à cantora
Não havia mais como evitar e o movimento ficou conhecido em todos os lugares. O caso também começou a ter maior importância na corte de Los Angeles e, todas as vezes que ocorre uma nova audiência, o nome Britney Spears e a hashtag #FreeBritney surgem nos trending topics do Twitter, portais de notícias escrevem matérias atualizando as pessoas e jornais dos Estados Unidos fazem a cobertura em tempo real do lado de fora do tribunal.
Em 2021, o The New York Times, renomado grupo de comunicação dos Estados Unidos, em parceria com o canal FX, lançou o documentário Framing Britney Spears, mostrando a trajetória da tutela da cantora e explicando o movimento #FreeBritney. O doc tem sido distribuído por todo o planeta e os olhares do mundo se voltaram mais uma vez para a princesa do pop.
No Brasil, o Fantástico fez uma matéria sobre o assunto e a Globo comprou os direitos de exibição, que você pode assistir no serviço de streaming GloboPlay.
Pelo visto, essa história ainda vai render e, daqui, a gente continua torcendo pela felicidade da cantora e acompanhando seus desdobramentos. #FreeBritney!
Leia também: BBB 21: 8 coisas que podemos aprender com o insta da Juliette
José Henrique é coordenador de Comunicação do Conversa e fã de Britney Spears.