Conversa | Estratégias de Comunicação Integrada

O TikTok está sacudindo a indústria musical, mas isso diz muito mais sobre as gravadoras do que sobre o aplicativo

O TikTok está sacudindo a indústria musical, mas isso diz muito mais sobre as gravadoras do que sobre o aplicativo
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Artista ou tiktoker? Essa é a pergunta que pairou sobre as conversas nas redes sociais depois de ficar muito clara a má vontade de alguns cantores em produzir conteúdo para a “plataforma das dancinhas” por pressão das gravadoras.

A queixa (ou desabafo) começou com a Halsey, mas logo vieram à tona vídeos nada divertidos produzidos por Ed Sheeran, Charlie XCX, Florence Welch (Florence And The Machine), Adele e da nossa popstar Anitta.

“Eu estou nesta indústria há oito anos, vendi mais de 165 milhões de discos e minha gravadora está dizendo que eu não posso lançar a menos que eles possam inventar um momento viral no TikTok”, lamentou Halsey.

A música Envolver, que pela primeira vez colocou uma brasileira no Top 1 Mundial do Spotify, quase não foi lançada, segundo Anitta. “A gravadora se liga muito no TikTok, no que viraliza, e se não tem um sucesso logo de cara eles dão tchau”, disse. 

Anitta em foto divulgação do seu clipe Envolver
Anitta em foto divulgação do seu clipe Envolver

Para alguns, essa postura deixou ainda mais nítido o quanto a indústria musical está sendo moldada pelo aplicativo chinês. Ou seria toda a indústria do entretenimento? Por outro lado, artistas menores vislumbram no app (e a organicidade dele) a chance de serem alçados aos charts – o que, anos atrás, demandava um investimento muito mais alto.

Como tudo nesta era em que vivemos, na qual as coisas mudam drasticamente de uma hora para a outra, não acredito que haja uma resposta já definitiva. Por outro lado, cabe analisar como as coisas estão convergindo e moldando a maneira como consumimos a produção midiática.

O sucesso do TikTok é resultado, sobretudo, de ele ter se tornado uma verdadeira fábrica de memes: não são poucos os virais que saíram de lá e tomaram a internet (inclusive, as redes vizinhas) com vídeos curtos produzidos sob áudios dublados, trechos de músicas, filtros e figurinhas animadas.

Toda essa combinação aliada ao isolamento social decorrente da pandemia de COVID-19 alçaram-no ao posto de aplicativo mais baixado do ano de 2002, expandindo o número de usuários ativos mensalmente de 800 milhões para 1 bilhão.

E a razão maior foi, justamente, o consumo de músicas dentro da plataforma.

DNA MUSICAL

Embora pareça novidade, o TikTok nasceu em 2017 após a compra do Musical.ly, um app de dublagem no qual artistas e usuários dividiam a mesma tela, pela ByteDance (empresa dona da plataforma). Com isso, o aplicativo já resolvia um “problema” que o então Facebook (atualmente, Meta) sequer queria lidar: publicações com direitos autorais de terceiros (não são poucos os relatos de posts excluídos ou com alcance derrubado pelo Zuckerberg por causa disso).  

Se o consumo de música já vinha mudando nos últimos anos, a pandemia provocou uma transformação drástica: o único ponto de encontro entre artistas e o público, nesses dois anos, eram as redes sociais.

O TikTok sempre foi um ambiente mais livre para a produção de conteúdo (tendo, desde sempre, a música em seu DNA) e, por isso, explodiu: as trends e desafios lançados lá dentro viraram (perdão pela redundância) uma tendência irreversível e responsável não só por lançar novos artistas, mas trazer de volta os que estavam esquecidos.

Isso ocorreu sobretudo por um comportamento simples de qualquer usuário na internet: ninguém ouve uma música só por 15 ou 30 segundos e se dá por satisfeito – sobretudo se a canção “colar na mente”. A curiosidade por conhecer cada hit e os donos deles levou as pessoas a explorarem mais as plataformas de streaming de música.

VICIANTE

Mas por que o TikTok viveu essa expansão toda se a gente foi inundado por lives de shows no Instagram e no YouTube? Segundo a revista Wired, o TikTok atende diretamente a uma demanda muito forte do público de redes sociais: os usuários querem sentir parte de uma comunidade em que possam não só consumir, mas também produzir conteúdo, vivendo uma experiência capaz de deixar sua própria marca no mundo.

Essa tese é corroborada pela Kim Farrell, diretora de Marketing do TikTok na América Latina, em uma entrevista ao Tecnoblog. Segundo ela, é justamente a comunidade de usuários o diferencial do aplicativo, uma vez que lá as pessoas se sentem mais seguras para se expressar. 

“A forma como as pessoas descobrem no TikTok permite que os vídeos dos usuários alcancem outros criadores de conteúdo que não necessariamente o seguem e também permite que mais e mais pessoas vejam aquele conteúdo e se identifiquem com ele de alguma forma. Isso faz com que o aplicativo seja um grande condutor de tendências e viralização que tomam conta de toda a internet. Essas tendências geram publicações que atingem milhões de pessoas e conectam artistas e fãs, criando conversas e narrativas únicas que representam um momento social de unidade e participação”, defendeu.

Por sua vez, Matthew Brennan, especialista em tecnologia ouvido pela BBC em uma matéria sobre o sucesso do aplicativo, explica que não é só isso. Muito do que o TikTok é hoje, segundo ele, resulta de uma tecnologia poderosíssima e que emprega milhares de engenheiros especializados em “roubar” a atenção das pessoas. 

“Os executivos e engenheiros por trás do aplicativo sabiam como transformar esse serviço de vídeo curto em uma das redes sociais mais viciantes do mundo”, afirma. “O que o torna tão viciante é que ele aprende o que você gosta e o que não gosta”, diz o especialista. “E faz isso rapidamente porque em um minuto você pode assistir a cinco ou seis vídeos.”, completa Brennan.

SÓ DÁ ELE

Esse é um trabalho que, de fato, tem sido bem feito: uma pesquisa realizada em 2020 nos Estados Unidos apontou que 52% dos americanos com idade entre 13 e 23 anos (a.k.a Geração Z) usavam o TikTok. Deste público, 48% consumiam vídeos com teor musical. 

Em 2021, outra pesquisa da Nielsen trouxe a informação de que 92% dos usuários afirmam descobrir conteúdos novos e que gostam. Uma análise da Section4 também do ano passado mostrou que as pessoas passam em média mais horas por mês no TikTok (25,7h) do que no Facebook (16h) e no Instagram (7,9h) somados.

Não à toa, a Meta iniciou um movimento de deixar suas duas principais redes muito parecidas com o concorrente (começando pelo lançamento do reels e prometendo um redesenho completo dos apps para os próximos meses), uma vez que claramente o público está migrando entre as plataformas.

O mesmo estudo mostrou que 73% de todos os usuários acham que a publicidade no TikTok é única e diferente e 61% consideram que os anúncios se misturam com o conteúdo, o que faz com que a experiência seja fluída e o usuário tenha a mesma sensação de estar consumindo um conteúdo orgânico da plataforma.

NADA DE NOVO

Esse movimento de pressão das gravadoras sobre os artistas não acontece à toa. Nos últimos anos, o TikTok acabou reformulando a maneira como toda uma geração faz uso das redes sociais e consome os produtos da indústria cultural. O grande interesse pela publicação de vídeos de curta duração, associando geralmente a músicas, e com grande potencial de compartilhamento, fez com que outras plataformas também repensassem seu modelo de atuação para oferecer aquilo que as pessoas buscavam. 

Foi a partir daí que o Instagram criou o Reels, uma ferramenta similar ao TikTok (e ao até então finado, pelo menos no Brasil, Snapchat), para tentar atrair o público que estava migrando para a outra rede.

Por isso, é absolutamente impossível negar o impacto que o TikTok tem gerado não só sobre o consumo da indústria cultural, mas sobre as redes sociais e, por que não, sobre a internet. Mas, nessa discussão, ele é apenas uma parte da equação. Ao denunciarem a estratégia das gravadoras, os artistas chamaram a atenção para um velho problema com uma nova roupa: a maneira como a indústria cultural tenta vender suas produções – e até onde os artistas e produtores de conteúdo conseguem ir para chegar até o público. 

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Diógenes Santos é Coordenador Executivo de Contas do Conversa Estratégias de Comunicação Integrada